10/02/2024

A crise que vivemos é uma só mas tem muitas caras e faz-se sentir em Portugal como no resto da Europa e do mundo: a crise do aumento do custo de vida, com a inflação a fazer com que os salários e as pensões tenham cada vez menos valor; a crise dos serviços públicos, asfixiados pela falta de orçamento para reforçar os seus meios técnicos e humanos, de maneira a favorecer os privados; a crise da habitação, com a especulação imobiliária e o aumento das taxas de juro a tornarem impossível o acesso a casas dignas com rendas acessíveis; a crise climática, provocada por um modelo completamente irracional de produção e distribuição, que nenhum governo ou instituição ousa questionar; a crise do regime e das suas instituições que, ao serviço de esmagar os trabalhadores e a juventude para que as elites continuem a acumular riqueza, são alvo de descrédito e desconfiança, gerando polarização social e instabilidade política. 

Todos estes problemas que enfrentamos estão ligados e são sintoma de um problema maior e mais profundo, a crise do sistema capitalista em decadência, há décadas mergulhado numa crise crónica da economia mundial, que cada vez mais afoga os trabalhadores e a juventude em miséria e superexploração. Perante a queda tendencial das suas taxas de lucro, as elites, apoiadas nos representantes dos seus interesses nos governos e parlamentos, procuram contrariar as perdas à custa do aumento da desigualdade social, arrasando direitos laborais anteriormente conquistados, alimentando a inflação e o aumento das taxas de juro, transformando serviços públicos essenciais em negócios e financiando o crescimento da extrema-direita como forma de preparar uma resposta mais autoritária para esmagar a resistência dos de baixo. A receita tem funcionado para os de cima, com o aumento cada vez mais acentuado da desigualdade social, que deixa os trabalhadores mais pobres, a juventude sem perspectivas de futuro e as elites a bater recordes sucessivos de acumulação de lucros, apesar de uma economia mundial em estancamento. 

É quem trabalha que acaba sempre a pagar este ciclo interminável de desigualdade e de injustiça, em que os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres ficam cada vez mais pobres. É esta a forma de funcionar do sistema capitalista, assente numa relação de poder que favorece banqueiros, grandes empresários e poderosos, para que possam estender os seus tentáculos a todas as esferas da nossa sociedade, com PS e PSD a servirem de guardiães deste sistema.

Em Portugal, onde ter trabalho já não garante ter dinheiro para viver, a taxa de pobreza aumentou e é hoje de 41,8% antes das transferências sociais, caindo para 21,2% quando se contam as que são relativas a pensões de reforma e sobrevivência e para 17% quando se incluem as relacionadas com doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social, o que representa mais de 2 milhões e 100 mil pessoas no limiar da pobreza e  cerca de 1 milhão e 700 mil pessoas a tentar sobreviver com menos de 600 euros por mês. No segundo trimestre de 2023, Portugal passou a ser o 2º país da União Europeia com precariedade mais alta, depois de registar, segundo o Eurostat, uma subida recorde nos contratos precários. As despesas com a habitação, água, eletricidade e gás subiram 3 mil euros desde 2015 e, muito longe de serem compensadas por qualquer aumento do salário mínimo feito pelo governo, pesam agora 40% no orçamento das famílias, o que, conjugado com o aumento contínuo do preço do cabaz alimentar, contribui para que tenhamos mais de 10 mil pessoas a viver na rua.

Do outro lado da moeda, a banca, os fundos imobiliários e as grandes empresas (em particular da energia, do retalho e distribuição e da saúde) celebram os milhões que vêm buscar aos nossos bolsos, seja por nos manterem mal pagos e precários como trabalhadores, seja por arrancarem mais dinheiro de nós como consumidores, seja por receberem do governo benesses que sustentamos como contribuintes. Enquanto os trabalhadores e a juventude enfrentam cada vez mais dificuldades, os maiores grupos económicos de Portugal puderam chamar a 2023 um ano de “vacas gordas”, somando lucros de 3,79 mil milhões de euros só entre as energéticas Galp e EDP Renováveis, os bancos BCP, BPI e Santander Portugal, a dona do Pingo Doce, Jerónimo Martins, a TAP e a Navigator, que assim lucraram em conjunto mais 59% do que no mesmo período em 2022. Atualmente, só as fortunas das 10 famílias mais ricas de Portugal valem 20 mil milhões de euros, com a família Amorim, dona da Galp, no topo, seguida pela família Soares dos Santos, dona da Jerónimo Martins, da família Guimarães de Mello, dona da CUF, e da família Azevedo, dona da Sonae, todas elas registando aumento das suas fortunas nos últimos anos.

Graças à subida das taxas de juro, 2023 foi um ano de lucros históricos para a banca, que obteve em Portugal os seus melhores resultados desde, pelo menos, 2007, com os 5 maiores bancos (CGD, BCP, Novo Banco, Santander e BPI) a meterem ao bolso um total de 2.891 milhões de euros. Se a Caixa Geral de Depósitos e o Millenium BCP ainda só apresentaram os resultados até setembro (com lucros de 987 milhões de euros e 651 milhões de euros respetivamente), os três restantes já apresentaram a conta anual, relevando que o BPI quase duplicou os lucros em Portugal, com 524 milhões de euros, o Novo Banco atingiu novo recorde de lucros, com 743 milhões de euros – uma subida de 32,5% face a 2022, em que já tinha registado um recorde de 560 milhões – e o Santander aumentou os lucros em 70% face a 2022, alcançando 1.030 milhões de euros de lucro. 

Comparação dos lucros apresentados em 2022 e em 2023. Os lucros na banca têm disparado nos últimos anos graças ao aumento das taxas de juro nos créditos.

a inflação permitiu aos setores da energia e de retalho e distribuição baterem também novos recordes de lucro, à custa do aumento dos preços dos bens e serviços essenciais. Não por acaso, a EDP, a Galp Energia e a Jerónimo Martins são consideradas as marcas portuguesas mais valiosas e as áreas de energia e retalho/distribuição representam 38% do valor consolidado das 100 marcas portuguesas mais valiosas. Juntas, as donas do Pingo Doce e do Continente (Jerónimo Martins e Sonae respetivamente), lucraram 769 milhões de euros em 2022. Até setembro de 2023, a Jerónimo Martins lucrou 558 milhões de euros, mais 33% face a 2022, e bateu, nesse ano, um novo recorde ao superar os 30 mil milhões de euros em vendas. Por outro lado, os lucros da EDP até setembro de 2023 aumentaram 83% face ao ano anterior, alcançando os 948 milhões de euros, e a empresa admite poder vir a apresentar como resultados do ano todo lucros de 1,3 mil milhões, enquanto a Galp deu um salto de 18% nos primeiros 9 meses de 2023, atingindo os 718 milhões de lucro.

Comparação dos lucros de 2022 com 2023. As grandes empresas têm beneficiado dos aumentos de preços. Nós pagamos a fatura mais alta enquanto eles enchem os bolsos.

Como se vê, é quem trabalha que acaba sempre a pagar este ciclo interminável de desigualdade e de injustiça, em que os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres ficam cada vez mais pobres. É esta a forma de funcionar do sistema capitalista, assente numa relação de poder que favorece banqueiros, grandes empresários e poderosos, para que possam estender os seus tentáculos a todas as esferas da nossa sociedade, influenciando governos para que garantam o ambiente social e económico que lhes é mais favorável. Assim, as portas giratórias, os favores e os negócios feitos à medida entre governos e grandes empresas e bancos não param, com PS e PSD a servirem de guardiães deste sistema. 

O MAS luta para que se faça precisamente o contrário: que sejam os ricos a pagar a crise, já que são eles quem com ela mais beneficia. Sabemos que esta exigência aparentemente simples não é alcançável no marco do sistema capitalista, pelo que se coloca a necessidade de uma transformação social profunda, que não pode resultar apenas dos lugares que tenhamos no parlamento. Por isso, colocamo-nos ao serviço da construção de uma alternativa política disposta a dar força e levar às últimas consequências as mobilizações avançadas pelos trabalhadores e pela juventude e lutamos para conquistar desde já:

  • Salário mínimo nacional de 1000€
  • Controlo dos preços e das rendas
  • Mais investimento para reforço dos serviços públicos
  • Nacionalização dos setores estratégicos
  • Taxação das grandes fortunas